O corpus
selecionado para ser analisado de acordo com a Análise Crítica do Discurso,
desenvolvida por Fairclough e tal como é apresentada por J. L. Meurer, é um
comercial do jornal Folha de São Paulo que foi divulgado em 1988 em emissoras
de televisão. Trata-se de um video de 1 minuto, que começa com uma locução
(transcrita abaixo) e uma imagem formada por pequenos pontos escuros.
Inicialmente não é possível identificar o que representa a imagem, apenas os
pontos escuros. A medida que o comercial avança, a imagem vai sendo revelada e
é possível ver que se trata da imagem de Adolf Hitler.
Transcrição da locução do vídeo
Este homem pegou uma nação
destruída, recuperou sua economia e devolveu orgulho ao seu povo. Em seus
quatro primeiros anos de governo, o número de desempregados caiu de seis
milhões para novecentas mil pessoas. Este homem fez o produto interno bruto
crescer 102% e a renda per capita dobrar. Aumentou os lucros das empresas de
175 milhões para 5 bilhões de marcos. E reduziu uma hiper inflação para no
máximo 25% ao ano. Este homem adorava música e pintura e quando jovem imaginava
seguir a carreira artística. (momento em
que a imagem é revelada).É possível contar um monte de mentiras dizendo só
a verdade, por isso é preciso tomar muito cuidado com a informação e o jornal
que você recebe. Folha de S. Paulo, o jornal que mais se compra e o que nunca
se vende.
A presente análise será subdividida
de acordo com as três dimensões de análise propostas por Fairclough: o evento
discursivo analisado como texto, como prática discursiva e como prática social.
Evento discursivo como texto.
Dentro dos três tipos de significados
realizados pela linguagem, temos neste tópico os significados ideacionais, os
significados interpessoais e os significados textuais.
Significados ideacionais
A representação da “realidade”
pelo texto se dá em três fases diferentes. A primeira fase, onde a identidade
de Hilter não é ainda revelada, é
constituída por uma realidade onde “alguém” é identificado como um bom
governante e uma pessoa de boa índole. “Algúem” é tido como um participante que
beneficia (visto o carácter semântico dos verbos) outros participantes (nação
destruída, economia, orgulho, desemprego, produto interno bruto, renda per
capta, lucros, etc). Logo, neste trecho, “alguém” faz coisas de caráter positivo.
Vejamos o trecho que representa essa primeira fase:
Este homem pegou uma nação destruída, recuperou
sua economia e devolveu orgulho ao seu povo. Em seus quatro primeiros
anos de governo, o número de desempregados caiu de seis milhões para
novecentas mil pessoas. Este homem fez o produto interno bruto crescer
102% e a renda per capita dobrar. Aumentou os lucros das empresas
de 175 milhões para 5 bilhões de marcos. E reduziu uma hiper inflação
para no máximo 25% ao ano. Este homem adorava música e pintura e quando
jovem imaginava seguir a carreira artística.
Em uma segunda fase, o texto imagético que se faz
presente revela, então, que o “alguém” se tratava de Adolf Hitler. Com tal
revelação, toda a “realidade” anteriormente representada é desfeita, ainda que
se tratassem apenas de fatos verídicos. A realidade contida nesta segunda fase
diz respeito a usar fatos verdadeiros para criar uma mentira, além de dizer que
o leitor deve estar a atento a tal fato na hora de comprar um jornal. Vejamos o
trecho:
É possível contar um monte de
mentiras dizendo só a verdade, por isso é preciso tomar muito cuidado
com a informação e o jornal que você recebe.
E por fim, temos o última fase:
Folha de S. Paulo, o jornal que mais
se compra e o que nunca se vende.
Aqui temos o texto representando a
“realidade” de que o jornal Folha de S. Paulo não se vende (no sentido de
beneficiar algo ou alguém em troca de outro benefício) e é o que mais se vende
(no sentido de ser o jornal mais comprado pelos leitores).
Significados
interpessoais
Temos,
na primeira fase, como foi dividido o texto no tópico anterior, a criação de
uma identidade, a de Hitler como um “bom homem”.
Temos
na segunda fase, afirmações que expressam uma relação interpessoal de verdade e
de “verdade absoluta”, há assim uma relação com o leitor, especialmente ao se
afirmar “por isso é preciso tomar
muito cuidado com a informação e o jornal que você recebe”, devido à presença explícita do
pronome “você”. Faz-se uma aparente troca de informações, visando a oferta de
um produto.
Significados
textuais
O texto se incia com o pronome
“este” (este homem) que remete a alguém que só se fará presente mais adiante, no
decorrer do video. Sabendo que o texto começa falando sobre Hitler, ele será, a
priori, o possível tema do texto. Contudo, o tema real e mais importante será
trazido mais a frente: a “seriedade” da Folha de S. Paulo.
Evento discursivo como prática discursiva.
O
texto, ainda que no vídeo esteja oralizado, é feito pela Folha de S. Paulo (na
realidade, por uma agência publicitária, porém, a pedido e benefício da Folha)
para possíveis já/futuros leitores/consumidores. Sua coerência, contudo, pode
não ser concretizada se o leitor não tiver certos conhecimentos, como por
exemplo que o homem representado na imagem é Hitler ou então quem foi Hitler.
Logo, faz-se um interxtualidade com a História, com textos que respondem quem
foi Hitler.
No
que se refere à força ilocionária, temos uma intenção de promover o jornal
Folha de S. Paulo, para tal, toma-se o “bom Hitler” como ilustração, para se dizer que a Folha
não cria mentiras usando verdades. O leitor por sua vez, fará a conexão entre a
descrição que se faz do “bom Hitler” com
todo seu conhecimento de quem foi Adolf Hitler, além do conhecimento de que há
jornais que se vendem (promovem algo/alguém para ter algo em troca), porém de
que a Folha, como é afirmado no texto, não o faz.
Evento discursivo como prática
social.
Encontramos no comercial uma
ideologia contra-Hitler e uma ideologia publicitária, já que há visão de lucro
e venda do jornal Folha. A ideologia acerca de Hitler é trazida ao texto para
exemplificar/ilustrar uma situação. Pode-se dizer que, de modo implícito, a
Folha impõe seu poder fazendo-se perceber que outros jornais “mentem” e manipulam os leitores. Tal fato, tal
realidade é apenas a percepção do leitor, não se trata da verdade absoluta.
Cria-se e faz parecer natural um consenso de que o leitor deve evitar ser
manipulado pelos jornais, e evitar ser leitor de jornais que tem outros
interesses além do de dar a informação/notícia verdadeira. Há então uma
contradição em tal hegemonia apresentada (da necessidade de evitar
manipulação), ou melhor, do modo como ela é apresentada: o leitor “deve” evitar
a manipulação, justamente porque o comercial publicitário da Folha o incita a
fazê-lo, logo o manipula.
Muito obrigado, estava fazendo uma analise da construção do argumento descrita por algum comercial e fiquei impressionado que algumas analogias descritas na minha minima tese são semelhantes as descritas nesse post, consegui alinhar melhor os pensamentos e descartar algumas ideias desconexas, parabéns pela postagem, agradeço desde já.
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