João e Maria
(Intérprete:
Chico Buarque / Autoria: Chico Buarque e Sivuca)
Agora eu era o herói
E o meu cavalo só falava inglês
A noiva do cowboy
Era você além das outras três
Eu enfrentava os batalhões
Os alemães e seus canhões
Guardava o meu bodoque
E ensaiava o rock para as matinês
E o meu cavalo só falava inglês
A noiva do cowboy
Era você além das outras três
Eu enfrentava os batalhões
Os alemães e seus canhões
Guardava o meu bodoque
E ensaiava o rock para as matinês
Agora eu era o rei
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigado a ser feliz
E você era a princesa que eu fiz coroar
E era tão linda de se admirar
Que andava nua pelo meu país
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigado a ser feliz
E você era a princesa que eu fiz coroar
E era tão linda de se admirar
Que andava nua pelo meu país
Não, não fuja não
Finja que agora eu era o seu brinquedo
Eu era o seu pião
O seu bicho preferido
Vem, me dê a mão
A gente agora já não tinha medo
No tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido
Finja que agora eu era o seu brinquedo
Eu era o seu pião
O seu bicho preferido
Vem, me dê a mão
A gente agora já não tinha medo
No tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido
Agora era fatal
Que o faz-de-conta terminasse assim
Pra lá deste quintal
Era uma noite que não tem mais fim
Pois você sumiu no mundo sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim?
Que o faz-de-conta terminasse assim
Pra lá deste quintal
Era uma noite que não tem mais fim
Pois você sumiu no mundo sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim?
Fonte:
http://letras.mus.br/chico-buarque/45140/
Analisando a enunciação que se faz
presente na letra da canção “João e Maria” de Chico Buarque e Sivuca, através
de uma visão bakhtianiana, podemos notar, entre as várias leituras possíveis, a
voz de alguém que ocupa a posição social de um garoto em um mundo de fantasias,
onde se imagina em uma situação fora da realidade, fazendo parte do mundo
criado pela brincadeira e pela imaginação. Nesse mundo imaginário, aparece um
sentido ideológico de força e poder, ou seja, o garoto, da sua posição social
de “garoto sonhador”, é denominado como herói (agora eu era o herói), valente
(eu enfrentava os batalhões), alguém que ocupa cargos de superioridade (agora
eu era o rei,
era o bedel e era também juiz). Esse sujeito se dirige a um interlocutor (seu “outro”) através da palavra, e é esta que cria uma ligação entre eles. Tal interlocutor é representado pela forma “você” (anoiva do cowboy
era você além das outras três / e você era a princesa que eu fiz coroar / pois você sumiu no mundo sem me avisar). A interação que há entre o locutor e o interlocutor se dá por estarem ambos adotando um papel social em um dado contexto. Além do papel de “garoto sonhador” (devido ao estar em um mundo de imaginação), pode-se dar ao locutor um lugar social referente a paixão (de um apaixonado), e por sua vez, a seu interlocutor (tu), o lugar social de alguém que não corresponde a um amor (o que se verifica em: “Não, não fuja não”, “Pois você sumiu no mundo sem me avisar”).
era o bedel e era também juiz). Esse sujeito se dirige a um interlocutor (seu “outro”) através da palavra, e é esta que cria uma ligação entre eles. Tal interlocutor é representado pela forma “você” (anoiva do cowboy
era você além das outras três / e você era a princesa que eu fiz coroar / pois você sumiu no mundo sem me avisar). A interação que há entre o locutor e o interlocutor se dá por estarem ambos adotando um papel social em um dado contexto. Além do papel de “garoto sonhador” (devido ao estar em um mundo de imaginação), pode-se dar ao locutor um lugar social referente a paixão (de um apaixonado), e por sua vez, a seu interlocutor (tu), o lugar social de alguém que não corresponde a um amor (o que se verifica em: “Não, não fuja não”, “Pois você sumiu no mundo sem me avisar”).
Alguns
índices enunciativos, tais como indica Benveniste, podem ser encontrados na
letra da canção, a saber:
- Índices de pessoa:
EU:
Agora eu era o herói.
TU: Era você
além das outras três
- Índices de tempo (também
presentes no tempo e modo verbal):
AGORA: Agora eu era o herói
ENTÃO:
Guardava o meu bodoque / No tempo da maldade acho que a gente
nem tinha nascido
- Índices de espaço (também
presentes em certos modos verbais de certos verbos):
AQUI: Vem,
me dê a mão /Pra lá deste quintal.
Uma
vez que encontramos índices de pessoa (eu/tu), a enunciação está enunciada. O
“eu” do texto, ou seja, seu locutor, está produzindo um enunciado já que que
está utilizando e colocando a língua em funcionamento de modo individual e, assim,
está se propondo como sujeito. Se há enunciação, o sujeito está comprometido
com ela. Vendo a enunciação pelo aspecto que Benveniste chama de “quadro formal
de sua realização”, temos na letra da música um locutor (EU) e um locutário
(Você), e a língua expressa uma relação com algo extralinguístico (algo do
mundo), que poderia ser a vida imaginária (como herói, rei, bedel, juíz, etc)
contada pelo locutor. No que se refere ao “aparelho de funções” (interrogação,
intimação e asserção), encontramos presentes as três funções, seguem abaixo
alguns exemplos:
- Asserção (a mais presente):
Agora eu era o herói
Agora eu era o rei
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigado a ser feliz
E você era a princesa que eu fiz coroar
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigado a ser feliz
E você era a princesa que eu fiz coroar
- Intimação:
Não,
não fuja não
Finja que agora eu era o seu brinquedo
Eu era o seu pião
O seu bicho preferido
Vem, me dê a mão
Finja que agora eu era o seu brinquedo
Eu era o seu pião
O seu bicho preferido
Vem, me dê a mão
- Interrogação:
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim?
O que é que a vida vai fazer de mim?
No caso da
interrogação presente, a resposta não é de responsabilidade do alocutário, mas
do próprio locutor, que pergunta a si mesmo, ou, de um outro ponto de vista,
poderíamos dizer que se trata até de uma pergunta retórica (portanto que não suscita
uma resposta evidente). A enunciação está portanto, sob uma visão que está,de acordo com Benveniste, estruturada no diálogo que se dá
entre locutor e alocutário.
Eu gostei do texto e gostaria de citar num trabalho acadêmico, mas não sei o nome do/a autor/a.
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