sábado, 8 de novembro de 2014

Análise – Comercial Folha de S. Paulo pela Análise Crítica do Discurso





O corpus selecionado para ser analisado de acordo com a Análise Crítica do Discurso, desenvolvida por Fairclough e tal como é apresentada por J. L. Meurer, é um comercial do jornal Folha de São Paulo que foi divulgado em 1988 em emissoras de televisão. Trata-se de um video de 1 minuto, que começa com uma locução (transcrita abaixo) e uma imagem formada por pequenos pontos escuros. Inicialmente não é possível identificar o que representa a imagem, apenas os pontos escuros. A medida que o comercial avança, a imagem vai sendo revelada e é possível ver que se trata da imagem de Adolf Hitler.

Transcrição da locução do vídeo

            Este homem pegou uma nação destruída, recuperou sua economia e devolveu orgulho ao seu povo. Em seus quatro primeiros anos de governo, o número de desempregados caiu de seis milhões para novecentas mil pessoas. Este homem fez o produto interno bruto crescer 102% e a renda per capita dobrar. Aumentou os lucros das empresas de 175 milhões para 5 bilhões de marcos. E reduziu uma hiper inflação para no máximo 25% ao ano. Este homem adorava música e pintura e quando jovem imaginava seguir a carreira artística. (momento em que a imagem é revelada).É possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade, por isso é preciso tomar muito cuidado com a informação e o jornal que você recebe. Folha de S. Paulo, o jornal que mais se compra e o que nunca se vende.
            A presente análise será subdividida de acordo com as três dimensões de análise propostas por Fairclough: o evento discursivo analisado como texto, como prática discursiva e como prática social.

Evento discursivo como texto.

            Dentro dos três tipos de significados realizados pela linguagem, temos neste tópico os significados ideacionais, os significados interpessoais e os significados textuais.           

Significados ideacionais

            A representação da “realidade” pelo texto se dá em três fases diferentes. A primeira fase, onde a identidade de Hilter não é ainda revelada,  é constituída por uma realidade onde “alguém” é identificado como um bom governante e uma pessoa de boa índole. “Algúem” é tido como um participante que beneficia (visto o carácter semântico dos verbos) outros participantes (nação destruída, economia, orgulho, desemprego, produto interno bruto, renda per capta, lucros, etc). Logo, neste trecho, “alguém”  faz coisas de caráter positivo. Vejamos o trecho que representa essa primeira fase:

            Este homem pegou uma nação destruída, recuperou sua economia e devolveu orgulho ao seu povo. Em seus quatro primeiros anos de governo, o número de desempregados caiu de seis milhões para novecentas mil pessoas. Este homem fez o produto interno bruto crescer 102% e a renda per capita dobrar. Aumentou os lucros das empresas de 175 milhões para 5 bilhões de marcos. E reduziu uma hiper inflação para no máximo 25% ao ano. Este homem adorava música e pintura e quando jovem imaginava seguir a carreira artística.

            Em uma segunda fase, o texto imagético que se faz presente revela, então, que o “alguém” se tratava de Adolf Hitler. Com tal revelação, toda a “realidade” anteriormente representada é desfeita, ainda que se tratassem apenas de fatos verídicos. A realidade contida nesta segunda fase diz respeito a usar fatos verdadeiros para criar uma mentira, além de dizer que o leitor deve estar a atento a tal fato na hora de comprar um jornal. Vejamos o trecho:
            É possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade, por isso é preciso tomar muito cuidado com a informação e o jornal que você recebe.
             E por fim, temos o última fase:
            Folha de S. Paulo, o jornal que mais se compra e o que nunca se vende.
            Aqui temos o texto representando a “realidade” de que o jornal Folha de S. Paulo não se vende (no sentido de beneficiar algo ou alguém em troca de outro benefício) e é o que mais se vende (no sentido de ser o jornal mais comprado pelos leitores).

Significados interpessoais

            Temos, na primeira fase, como foi dividido o texto no tópico anterior, a criação de uma identidade, a de Hitler como um “bom homem”.
            Temos na segunda fase, afirmações que expressam uma relação interpessoal de verdade e de “verdade absoluta”, há assim uma relação com o leitor, especialmente ao se afirmar por isso é preciso tomar muito cuidado com a informação e o jornal que você recebe”, devido à presença explícita do pronome “você”. Faz-se uma aparente troca de informações, visando a oferta de um produto.

Significados textuais

            O texto se incia com o pronome “este” (este homem) que remete a alguém que só se fará presente mais adiante, no decorrer do video. Sabendo que o texto começa falando sobre Hitler, ele será, a priori, o possível tema do texto. Contudo, o tema real e mais importante será trazido mais a frente: a “seriedade” da Folha de S. Paulo.

Evento discursivo como prática discursiva.

            O texto, ainda que no vídeo esteja oralizado, é feito pela Folha de S. Paulo (na realidade, por uma agência publicitária, porém, a pedido e benefício da Folha) para possíveis já/futuros leitores/consumidores. Sua coerência, contudo, pode não ser concretizada se o leitor não tiver certos conhecimentos, como por exemplo que o homem representado na imagem é Hitler ou então quem foi Hitler. Logo, faz-se um interxtualidade com a História, com textos que respondem quem foi Hitler.
            No que se refere à força ilocionária, temos uma intenção de promover o jornal Folha de S. Paulo, para tal, toma-se o “bom Hitler”  como ilustração, para se dizer que a Folha não cria mentiras usando verdades. O leitor por sua vez, fará a conexão entre a descrição que se faz  do “bom Hitler” com todo seu conhecimento de quem foi Adolf Hitler, além do conhecimento de que há jornais que se vendem (promovem algo/alguém para ter algo em troca), porém de que a Folha, como é afirmado no texto, não o faz.

Evento discursivo como prática social.

            Encontramos no comercial uma ideologia contra-Hitler e uma ideologia publicitária, já que há visão de lucro e venda do jornal Folha. A ideologia acerca de Hitler é trazida ao texto para exemplificar/ilustrar uma situação. Pode-se dizer que, de modo implícito, a Folha impõe seu poder fazendo-se perceber que outros jornais “mentem” e  manipulam os leitores. Tal fato, tal realidade é apenas a percepção do leitor, não se trata da verdade absoluta. Cria-se e faz parecer natural um consenso de que o leitor deve evitar ser manipulado pelos jornais, e evitar ser leitor de jornais que tem outros interesses além do de dar a informação/notícia verdadeira. Há então uma contradição em tal hegemonia apresentada (da necessidade de evitar manipulação), ou melhor, do modo como ela é apresentada: o leitor “deve” evitar a manipulação, justamente porque o comercial publicitário da Folha o incita a fazê-lo, logo o manipula.

Um comentário:

  1. Muito obrigado, estava fazendo uma analise da construção do argumento descrita por algum comercial e fiquei impressionado que algumas analogias descritas na minha minima tese são semelhantes as descritas nesse post, consegui alinhar melhor os pensamentos e descartar algumas ideias desconexas, parabéns pela postagem, agradeço desde já.

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