sábado, 8 de novembro de 2014

ANÁLISE DE TEXTO APLICANDO A TEORIA SEMIÓTICA



Texto para análise: "O Presente dos Magos" de O. Henry.

“O Presente dos Magos”

                Um dólar e oitenta e sete centavos. Era tudo. E sessenta centavos eram em moedas. Moedas economizadas uma a uma, pechinchando com o dono do armazém, o dono da quitanda, o açougueiro, até o rosto arder à muda acusação de parcimônia que tais pechinchas implicavam. Três vezes Della contou o dinheiro. Um dólar e oitenta e sete centavos. E no dia seguinte seria Natal.
                Não havia evidentemente mais nada a fazer senão atirar-se ao pequeno sofá puído e chorar. Foi o que Della fez. O que leva à reflexão moral de que a vida é feita de soluços, fungadelas e sorrisos, com predomínio das fungadelas.
                Della terminou de chorar e cuidou do rosto com a esponja de pó. Postou-se junto à janela e ficou a contemplar melancolicamente um gato cinzento caminhando sobre uma cerca cinzenta num quintal cinzento. Amanhã seria Dia de Natal e ela tinha apenas um dólar e oitenta e sete centavos para comprar o presente de Jim. Estivera a economizar tostão por tostão havia meses, e esse era o resultado. As despesas tinham sido maiores do que calculara. Sempre são. Apenas um dólar e oitenta e sete centavos para comprar o presente de Jim. O seu Jim. Muitas horas felizes passara ela planejando comprar-lhe alguma coisa bonita. Alguma coisa fina, rara, legítima – algo que estivesse bem perto de merecer a honra de ser possuída por Jim.
                Subitamente, afastou-se da janela e postou-se diante de um espelho. Seus olhos estavam brilhantes mas sua face perdeu a cor ao cabo de vinte segundos. Num gesto rápido, soltou o cabelo e deixou desdobrar-se em toda a sua extensão.
                Ora, os James Dillingham Youngs tinham dois haveres de que muito se orgulhavam. Um era o relógio de ouro de Jim, que pertencera a seu pai e a seu avô. O outro era o cabelo de Della.
                O cabelo de Della, pois, caiu-lhe pelas costas, ondulando e brilhando como uma cascata de águas castanhas. Chegava-lhe abaixo do joelho e quase lhe servia de manto. Ela então o prendeu de novo, célere e nervosamente. A certo momento, deteve-se e permaneceu imóvel, enquanto uma ou duas lágrimas caíam sobre o puído tapete vermelho.
                Vestiu o velho casaco marron; pôs o velho chapéu marron. Desceu rapidamente a escada que levava à rua. Parou onde havia um letreiro anunciando: “Mme Sofronie, Artigos de Toda Espécie para Cabelos”. Della subiu a correr um lance de escada e se deteve no alto, arquejante para recompor-se. Madame, corpulenta, alva demais, fria.
                - Quer comprar meu cabelo? – perguntou Della.
                - Eu compro cabelo – disse Madame. – Tire o chapéu e vamos dar uma olhada no seu.
                Despenhou-se, ondulante, a cascata de águas castanhas.
                - Vinte dólares – ofereceu Madame, erguendo a massa com mão prática.
                - Dê-me o dinheiro depressa – pediu Della.
                Oh, as duas horas seguintes voaram com asas róseas. Della se pôs a vasculhar as lojas à procura de um presente para Jim.
                Encontrou-o por fim. Fora feito para ele e para ninguém mais. Nada havia que se lhe parecesse nas outras lojas, e ela as revirara de alto a baixo. Era uma corrente de platina, curta, simples e de modelo discreto, proclamando adequadamente seu valor por sua mesma substância e não por qualquer ornamentação espúria. Era digna até do relógio. Tão logo a viu, soube que tinha de ser de Jim. Era como ele. Serenidade e valor – a descrição se aplicava a ambos. Vinte e um dólares cobraram-lhe por ela, e Della correu para casa com os oitenta e sete centavos. Com aquela corrente no relógio, Jim poderia preocupar-se decentemente com o tempo na frente de qualquer pessoa. Grande como era o relógio, ele às vezes o consultava meio envergonhado devido à velha tira de couro que usava em lugar de corrente.
                Quando Della chegou em casa, seu embevecimento cedeu lugar a um pouco de prudência e razão. Pegou os ferros de frisar, acendeu o gás e pôs-se a reparar os estragos causados pela generosidade acrescida ao amor. O que sempre é uma tarefa muito árdua, queridos amigos – uma tarefa gigantesca.
                Ao cabo de quarenta minutos, sua cabeça estava coberta de pequenos caracóis cerrados, que a faziam parecer, admiravelmente, um menino vadio.
                Às sete horas, o café estava preparado e uma frigideira quente no fogão esperava o momento de fritar as costeletas. Jim nunca se atrasava. Della dobrou a corrente no côncavo da mão e sentou-se a um canto da mesa, perto da porta pela qual ele sempre entrava. Ouviu então seus passos no primeiro lance da escada e empalideceu por um instante.
                - Oh, Deus, fazei-o por favor achar-me ainda bonita!
                A porta se abriu, Jim entrou e a fechou. Parecia magro e muito sério. Pobre sujeito, apenas vinte e dois anos e já responsável por uma família! Precisava de um sobretudo novo e não tinha luvas.
                Jim Avançou alguns passos. Seus olhos estavam fitos em Della e havia neles uma expressão que ela não conseguia ler e que a aterrorizava. Não era raiva, nem surpresa, nem desaprovação, nem horror; não era nenhum dos sentimentos para os quais ela estava preparada.
                Della esgueirou-se para fora da mesa e se encaminhou para ele.
                - Jim, querido – gritou – não me olhe desse jeito! Mandei cortar o cabelo e o vendi porque não poderia passar o natal sem dar um presente a você. Ele crescerá de novo… não se aborreça, por favor. Meu cabelo cresce terrivelmente depressa. Diga “Feliz Natal!”, Jim, e fiquemos felizes. Você não sabe que coisa bonita, que belo presente tenho para você.
                - Mandou cortar o cabelo? – perguntou Jim a custo, como se não tivesse ainda compenetrado desse fato patente após o mais árduo esforço mental.
                - Cortei-o e vendi-o – disse Della. – Você não continua a gostar de mim do mesmo jeito, então? Não precisa procurar por meu cabelo, foi vendido, como lhe disse… vendido, não está mais aqui. É véspera de Natal, querido. Seja bonzinho comigo, fiz isso por sua causa. Ninguém poderá jamais avaliar o meu amor por você. Posso fritar as costeletas, Jim?
                Emergindo do seu transe, Jim pareceu despertar rapidamente. Abraçou a sua Della. Os magos trouxeram presentes valiosos, mas isso não estava entre eles. Esta asserção obscura será esclarecida mais tarde.
                Jim tirou um pacote do bolso e atirou-o sobre a mesa.
                - Não me interprete mal, Della – disse. – Não acho que haja alguma coisa, corte de cabelo, raspagem ou xampu, capaz de fazer-me gostar menos da minha mulherzinha. Mas se você abrir este pacote, poderá ver por que fiquei abalado no princípio.
                Alvos dedos ligeiros desfizeram o atilho e o embrulho. Ouviu-se então um grito extático de alegria, e depois, ai!, uma súbita mudança feminina para as lágrimas e os gemidos, que exigiram o imediato emprego de todos os poderes de consolação do senhor do apartamento.
                Pois sobre a mesa jaziam Os Pentes – o jogo de pentes para cabelos que Della adorara havia muito numa vitrine. Belos pentes, de tartaruga legítima, orlados de pedraria – da cor exata para combinar com seu lindo cabelo. Eram pentes caros, ela o sabia, e seu coração se limitara a desejá-los e a suspirar por eles sem a menor esperança de vir um dia a possuí-los. E agora pertenciam-lhe, mas as tranças que os anelados enfeites deveriam adornar não mais existiam.
                Ela, porém, os apertou contra o peito e, por fim, pode erguer os olhos nublados, sorrir e dizer:
                - Meu cabelo cresce tão depressa, Jim!
                Jim ainda não vira o seu belo presente. Ela lho estendeu ansiosamente na palma da mão aberta. O fosco metal precioso parecia brilhar com o reflexo do seu jubilante e ardente espírito.
                – Não é uma beleza, Jim? Vasculhei a cidade toda para achá-lo. Doravante, você terá de ver as horas uma centena de vezes por dia. Dê-me o seu relógio. Quero ver como fica nele.
                Em lugar de obedecer, Jim deixou-se cair no sofá, pôs as mãos atrás da cabeça e sorriu:
                – Della – disse -, vamos por os nossos presentes de Natal de lado e deixá-los por algum tempo. São lindos demais para poderem ser usados agora. Vendi o relógio para comprar os seus pentes. Que tal se você fritasse as costeletas agora?

-------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Análise semiótica - O Presente dos Magos

                O texto "O presente dos Magos" é um texto verbal, portanto, o foco desta análise estará em seu Plano de Conteúdo através do Percurso Gerativo do Sentido.

Nível Discursivo             

                "O presente dos Magos" consiste em um texto composto predominantemente por figuras, portanto, temos um texto figurativo, encontramos como figuras: de pessoa: Della, Jim e Madame Sofronie; de tempo: "dia seguinte", "dia de Natal", "horas felizes passadas planejando a compra", "duas horas seguintes", "ao cabo de quarenta minutos", "às sete horas", "véspera de Natal" e de espaço: rua, casa, primeiro lance da escada, cidade.
                Temos como Percusos Figurativos referentes às figuras de pessoa: para Della: economizar dinheiro, querer comprar um presente, vender o cabelo, comprar a corrente, receber os pentes de Jim, entregar a corrente a Jim; para Jim: chegar em casa, mostrar os pentes a Della, vender o relógio, receber a corrente e para Madame Sofronie: comprar o cabelo. Temos também os Percursos Figurativos referidos às figuras de tempo: "Dia de Natal", "Véspera de Natal", que geram a necessidade da compra dos presentes e referidos às figuras de espaço: "casa", que figurativiza, através das descrições (pequeno sofá puído, puído tapete vermelho, etc), a situação e condição em que viviam Jim e Della.

                Quanto aos Percursos Temáticos, podemos aplicar, às figuras de pessoa: para Della: tema da pobreza (por ecomizar uma quantia pequena), tema da consideração (por comprar um presente a Jim), tema do sacrifício (por se desfazer do bem mais precioso para presentear Jim); para Jim: tema da consideração (por comprar um presente a Della), tema da conformidade (por se conformar com os presentes não muito adequados) e para Madame sofronie: tema da lucratividade (por ser comerciante, por comprar o cabelo). Em relação às figuras de tempo, temos duas figuras ("Dia de Natal" e "Véspera de Natal") que podem trazer o tema da cultura cristã. Quanto aos Percusos Temáticos das figuras de espaço, não há indicadores significativos.
                Encontramos um efeito de objetividade no texto, visto que todas as categorias de debragem são enuncivas, com exceção das debreagem internas. "Della terminou de chorar e cuidou do rosto" revela debreagem temporal e actancial enunciva (então/ele). "Postou-se diante de um espelho" mostra uma debreagem espacial enunciva (lá). Porém, um efeito de subjetividade surge quando da delegação da voz a um sujeito: -"Meu cabelo cresce tão depressa, Jim!" / -"[...] vasculhei a cidade toda para achá-lo". Encontramos debreagem interna actancial enunciva na primeira fala e na segunda fala, actancial enunciativa também em ambas as falas, temporal enunciativa na primeira fala, temporal enunciva na segunda fala e espacial enunciva na segunda fala.

Nível Narrativo

                Jim e Della são figuras que representam os papéis actanciais de dois sujeitos, ora de estado, ora de fazer. Quanto aos programas narrativos do sujeito "Della", encontramos:

                PN1 = economia de dinheiro [Della → (Della Ω dinheiro)]

                PN2 = venda do cabelo [Della → (Della Ω corrente)]

                No PN1 e no PN2, Della é tanto o sujeito do fazer (pois realiza a transformação) quanto o sujeito de estado (pois é o sujeito que entra em conjunção ou disjunção com objetos de valor).
                Para os programas narrativos de Jim, temos:

                PN3 = venda do relógio [Jim → (Jim Ω pentes)]
               
                No PN3, Jim é tanto o sujeito do fazer, quanto o sujeito do estado.
                O último programa narrativo tem Madame Sofronie como sujeito do fazer e Della como sujeito do estado:

                PN4 = compra do cabelo  [Madame Sofronie → (Della U cabelo)]

                Em todos os programas narrativos, a manipulação ocorre por um querer fazer (repectivamente: querer economizar dinheiro, querer vender o cabelo, querer vender o relógio e querer comprar o cabelo). No que se refere à competência, também em todos os programas narrativos o sujeito que realiza a transformação é dotado de um poder e de um saber fazer. A perfórmance é confimada em todos os programas narrativos também. E a sanção em todos é do tipo cognitiva.

Nível Fundamental
               
                Há no texto uma oposição entre o sacrifício e o desmerecimento, sendo dois elementos contrários. Ao primeiro, aplica-se uma qualificação eufórica e ao segundo, uma qualificação disfórica. Geram-se assim dois elementos contraditórios: não-sacrifício (que implica o desmerecimento) e o não-desmerecimento (que implica o sacrifício). Temos, então, o seguinte quadrado semiótico:



Nenhum comentário:

Postar um comentário